Arte, porque a vida por si só não deu conta dela mesma





quinta-feira, 1 de maio de 2014

TEMPO DA POESIA - encontro com um amor empoeirado

Engraçado. Acabo de achar perdido nesse espaço chamado Área de Trabalho esse texto/carta à um amor antigo. Eu cá, tentando dar ordem a algum caos que me pertença, ainda que seja a tela do meu computador, tropeço no tempo, dou de encontro com o pretérito e lembro que o que fica, quando passa, ganha além de poeira a poesia. Eu fui capaz de amar de novo toda aquela história que tinha ficado murcha e sem a beleza da flor partida, ficou brocha feito uma bexiga dessas de aniversário que se esvai desvairada pelor ares perdendo todo seu oxigênio até desmair-se patética ao chão. Pior. Ficou desmilinguida e resgada, feito balão que enche até não poder mais e estoura feito um tiro e morre ali mesmo, no susto.
Juro. Agora eu tenho certeza: amor é coisa pra se guardar do lado direito do Desktop. Eu fui capaz de amar uma lembrança cujo sentido, eu pensava, era cor vazio-pálido e desmilinguido demais pra mim. Só que eu encontrei o Tempo da Poesia e tudo virou cor  amor-empoeirado. Deixou de ser vazio-pálido e virou amor-empoeirado. Passei um tempo largo me perguntando de quem, afinal, era a autoria daquele texto, dele ou minha. As vezes ele escrevia no meu computador e, além de meu namorado, era - também - poeta. E além de também-poeta, começou a se arriscar a ser também-dramaturgo e começamos a escrever uma peça sobre o nosso "Começo", portanto ele poderia perfeitamente ter escrito algo onde eu fosse o eu lírico dele. Demorei um bocado nesta de reconhecer o defunto e tive de ir ao nosso histórico de mensagens pra me certificar de quem era o corpo. Sim, eu mesma havia escrito, mas ainda acho que esse texto é dele. Estranho isso, mas é o que senti. E foi aí que o sentido se fez: pela palavra. Sim! Pela palavra! E, de novo: sim! Foi de verdade. A gente se misturou de verdade ali. Eu li! E por não saber a quem a palavra pertencia, vi que a gente se pertenceu. Antes de se perder, a gente se pertenceu. Antes da gente tragédia, sim, a gente se poesia. E... Ou Nietzsche estava certo e "Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura" Ou eu sou mesmo louca e volta e meia vejo poesia onde não tem. Ou talvez seja a própria poesia uma doida que anda por aí feito uma epidemia contaminando uns e outros que preferem ver torto e andar descalço ainda que doa mais. Se não é doida nem doída,  acredito que a poesia seja mesmo uma cigana, uma fada, feiticeira, ou só mesmo uma aventureira, dessas que foge com o circo e aparece quando bem quer. E quando você está no espaço perdido tentando se encontrar, ela te acha. No tempo dela.

    A poesia se escondeu. Pediu um tempo pra ver se ainda sou um bom lugar de se morar. Não me perguntem, não sei onde ela está.
Lembro bem, não posso dizer que lembro “ainda”, pois não há muito ela veio cá pra essas bandas... Lembro bem dela, vindo à mim na minha janela, me acenando com oi tímido. “Te admiro de longe” ela dizia. Tinha uma fã, ora essa, ali, à minha espera.  Sim, ela estava a espera de vir me falar havia um ano já, me disse a poesia.  Não sabia ainda como vinha, mas o caso é que viera, após um bocado de espreita e de espera. A poesia veio me dizer  que me queria perto justamente pra falar o que ela mesma não sabia dizer. Pudera eu com esse convite não sentir um flerte? Era um palpite. Podia ser que a poesia não soubesse mesmo  falar coisa corriqueira, o papo, o dia-a-dia. Era isso que ela queria. Que eu fosse a palavra falada da moça Sol e da outra Lua, que inventara de colocar numa praia sob pretexto de que um fim pro mundo se anunciaria.

     E quem não abre logo de antemão a porta pra poesia? Ela toda mansa ali na janela, me falando em paixão,  em não saber, escrever súbito o amor, o eclipse, ela ali, minha visita, me olha me fita, poesia à primeira vista assim tão terna e abrupta, abri. Abri a porta e deixei-a entrar pela pele, entranhou-se logo na entrada, poesia vadia! Eu sentia e ficava lânguida, lancinante, assustada. Alucinava e não entendia porque. Era uma simples poesia. No fundo eu sabia que o medo era eu, minha avaria, o mal jeito com aquilo que admitir eu não queria, mas tinha gosto de paixão, ou parecia. Deixei estar, rimar e remar sobre mim.

    Eu e ela enroscamos nós com fé entre lencóis as nossas pernas, pés  versos e frontes, encanto nos olhos e palavras, músicas dedicadas e uma ligeira intuição fugaz de ali vivia amor e paz no peito descansado, no cafuné, café na cama, coração alado alçando vôo. A poesia virou sabiá e eu passarinha sou.


O que eu não sabia é que tardia era hora de chorar descálculo que lá atrás eu fingira que não via. Mentira. No fundo, eu previra que não adiantaria reza ou santuário:  mergulhar o lábio num aquário cheio de peixes desligados era como me jogar no mar bravo sem saber nadar e sem ter feito sequer inventário. Despreparo calculado, então? Se tem pathos não tem razão. Dioniso me tomou, mesmo abstêmia de sua bebida preferida. Tomara-me por inteiro num só gole. Eu dei mole, sei que dei. Deixo a confissão de que não domei a ousadia, dei-me a poesia e...  com ela fui feliz e fui mulher.