O poeta não é assim tão fingidor, ele tem de ser um pouco dor, ter calo no pé, ser ardor, qualquer coisa que o valha. Devagar com o andor, camarada, que o poeta tem de ser volúpia santa, de tudo de ser nada, tem de ser um pouco amor e sua própria namorada. O poeta tem de ser dor, saber de cór a cor de ser triste e de ser flor também da lama brotada. O poeta tem de ser rei quando é gato vira lata. O poeta tem de ser vice, tem de ser verso que vive. O poeta tem de ser dor pra não ser ator do esplendor de cada palavra que finge ser sua e usa e abusa sobrepor à carne a alma solitária. O poeta tem de ser dor que mingua e cresce. O poeta tem de ser lua, de ser fé no sol da esquina na calçada. O poeta tem de ser dor pra brincar sério do que o tempo todo faz calor: supor viver dando pála de só letrador. Não finge tão completamente. O poeta é só um bobo, somente. O poeta é só. Não é assim tão fingidor, talvez nem tão poeta, camarada.
Arte, porque a vida por si só não deu conta dela mesma
sábado, 27 de abril de 2013
terça-feira, 9 de abril de 2013
9 de abril - Inventário de afetos da princesa bailarina ou O primeiro buquê
Rio de Janeiro, 9 de abril de 2013
"Saudade é um momento que tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue." Adriana Falcão
Esse é um daqueles momentos sessão nostalgia em que algo desperta em você uma
enciclopédia de sensações ternas e imagens notórias que te saltam à mente em
cascata de repente. É que hoje é o significativo 9 de abril, que pra você provavelmente não
deve dizer muita coisa, mas pra mim é um marco. Mais que u marco, é
determinante pra que eu esteja aqui digitando letra após letra neste HP. O 9 de
abril me fez existir. Uma parte de mim nascia nesse dia, mas muito antes de eu
existir. Em 9 de abril de 1954 nascia Sergio Luiz Fernandes Gelio: meu pai.
E sim, sou dessas que adora abrir a caixa de lembrar saudosa dos
acontecimentos que constituem o quadro
de memórias. Falando nisso, lembrei agora do quadro de fotos em cortiça que eu
tinha no meu quarto quando criança. E hoje já nem imprimem mais fotos e até o
quadro de ímã é coisa do passado. Mas bem,
embora há muito pouco eu não e imaginasse usando
uma expressão como essa: eu sou do tempo em que fotos eram de papel, em que criança tinha boneco do Fofão e castelo da She-ra, em que os video
games eram atari , megadrive (mas a febre
era o joguinho do mario no nintendo), se mascava mini chicletes e engasgávamos com
bala soft. Sou do tempo em que se descia pro play
pra brincar de pique esconde, pique altos, andar de bicicleta e tocar a campainha dos vizinhos pra sair correndo cheia da adrenalina do risco do flagra. Sou do tempo em que, antes do
colégio se assistia show da Xuxa. Só que com o meu pai, eu via mesmo era Bia
Bedran. E Castelo Ra Tim Bum. Sim, meu
pai me fazia assistir TV Cultura quando ninguém mais próximo a mim via aquilo e
eu adoro isso como idéia e adorava na época como experiência.
Podem chamar de edipiano ou coisa
parecida e talvez seja mesmo. Muito provavelmente é. Até porque, o maluco foi o
cara me que deu meu primeiro buquê de rosas vermelhas e ainda morreu bem na época em
que toda menina está caindo de amores pelo pai. Portanto, eu fui uma filha-viúva. Por aí você vai vendo, meu primeiro amor já foi mal
resolvido. Terapia na veia deve resolver. Se não, a espiritualidade ta aí pra
isso, pra divinificar a alma e dar dignidade pro espírito da pessoa. De
qualquer modo, acho que não são meus traumas que estão em pauta, mas sim as
memórias que trago no peito e os afetos deixados por meu não tão glorioso pai.
Digo não tão glorioso porque o sujeito não era exatamente uma figura búdica,tinha um dicionário de defeitos e fez meleca pra baralho. Ainda assim, era uma
pessoa INCRÍVEL. Assim mesmo, em caixa
alta.
Fora todas as coisas afetuosas de pai como fazer muito cafuné, contar contos de fada dizendo que ele os tinha inventado, me levar pra passear de jardineira no fim de semana carioca ou pra tomar fanta uva ou seven up na carrocinha de cachorro quente no fim de tarde candango, me ensinar a andar de bicicleta e fazer muito piné – piné era uma modalidade de cosquinha específica cujo dedo indicador ficava enrijecido e atacava o pescoço com cócegas desesperadoras – o cara colocava pra tocar o disco do Rolling Stones e Inimigos do Rei eu, que contava não mais que uns 7 anos, cantava pulando nas também alturas, feliz da vida com ele: “Kafka, vem cá ficar comigo!(...) Perguntei a ela se ela era de escorpião” – Sim, eu sou de escorpião e só agora me dou conta de que a peça “Da carta ao pai- ou tudo aquilo que eu queria te dizer” – na qual em 2010 assinei direção e dramaturgia a convite do ator e idealizador do projeto Jean Machado, foi motivada pelo livro “Carta ao pai” justamente do velho Kafka. Franz, que já fazia uma conexão entre eu e meu coroa desde a minha infância, inspirou, anos mais tarde, uma peça sobre pai - na qual presto sim algumas homenagens ao não tão glorioso Sergio Luiz. E só me dou conta disto agora. Mas não, não acredito em coindências.
Voltando à rasgação de seda ao meu falecido pai... na boa, o maluco era um ariano irreverente, sarcástico, cheio de personalidade. Tem noção que quando ele estava no trabalho passava trotes lá pra casa falando barbaridades pra minha mãe. E ela sempre caía! Hahahahahahhahahaa Gente, uma vez, ele ligou, fazendo uma voz quase gutural irreconhecível, dizendo tudo o que minha mãe costumava fazer no dia a dia, horários em que ela saía e voltava e que era pra ela não sair de casa se quisesse estar em segurança. Minha mãe ficou apavorada!!! Hahahahahahahhahahahaha
O episódio da bruxinha também foi genial. A bruxinha era uma boneca que devia ter o tamanho de um pé 40 mais ou menos e que funcionava a pilha. Andava, tocava um sino e fazia um barulhinho estridente bizarro. Meu também falecido irmão caçula, o Pedro, que tinha só uns 3 ou 4 anos na época, se mijava de medo. Mas também, a boneca não era feia, era horrorosa. Tinha nariz grande com verruga na ponta, pele enrugada e unha gigante estilo Zé do Caixão. E meu pai, sacana pra caramba, volta e meia, do nada, no meio da calmaria alheia, ligava a bruxinha e assustava um bando de gente, inclusive meu irmãozinho. E ria, ria, ria muito. Nesse período, nós morávamos em Brasília e uma vez meus avós maternos foram nos visitar e dormiram na sala. Na primeira noite dos velhos lá, meu pai esperou que eles se acomodassem pra tranquila noite de sono ao som das cigarras brasilienses. Eles apagaram a luz, fez-se o silêncio e adivinha quem meu pai lançou? A Bruxinha! Nem preciso descrever o salto ornamental que os véios deram desenhando a cena que me faz dar gargalhadas até hoje.
Fora todas as coisas afetuosas de pai como fazer muito cafuné, contar contos de fada dizendo que ele os tinha inventado, me levar pra passear de jardineira no fim de semana carioca ou pra tomar fanta uva ou seven up na carrocinha de cachorro quente no fim de tarde candango, me ensinar a andar de bicicleta e fazer muito piné – piné era uma modalidade de cosquinha específica cujo dedo indicador ficava enrijecido e atacava o pescoço com cócegas desesperadoras – o cara colocava pra tocar o disco do Rolling Stones e Inimigos do Rei eu, que contava não mais que uns 7 anos, cantava pulando nas também alturas, feliz da vida com ele: “Kafka, vem cá ficar comigo!(...) Perguntei a ela se ela era de escorpião” – Sim, eu sou de escorpião e só agora me dou conta de que a peça “Da carta ao pai- ou tudo aquilo que eu queria te dizer” – na qual em 2010 assinei direção e dramaturgia a convite do ator e idealizador do projeto Jean Machado, foi motivada pelo livro “Carta ao pai” justamente do velho Kafka. Franz, que já fazia uma conexão entre eu e meu coroa desde a minha infância, inspirou, anos mais tarde, uma peça sobre pai - na qual presto sim algumas homenagens ao não tão glorioso Sergio Luiz. E só me dou conta disto agora. Mas não, não acredito em coindências.
Voltando à rasgação de seda ao meu falecido pai... na boa, o maluco era um ariano irreverente, sarcástico, cheio de personalidade. Tem noção que quando ele estava no trabalho passava trotes lá pra casa falando barbaridades pra minha mãe. E ela sempre caía! Hahahahahahhahahaa Gente, uma vez, ele ligou, fazendo uma voz quase gutural irreconhecível, dizendo tudo o que minha mãe costumava fazer no dia a dia, horários em que ela saía e voltava e que era pra ela não sair de casa se quisesse estar em segurança. Minha mãe ficou apavorada!!! Hahahahahahahhahahahaha
O episódio da bruxinha também foi genial. A bruxinha era uma boneca que devia ter o tamanho de um pé 40 mais ou menos e que funcionava a pilha. Andava, tocava um sino e fazia um barulhinho estridente bizarro. Meu também falecido irmão caçula, o Pedro, que tinha só uns 3 ou 4 anos na época, se mijava de medo. Mas também, a boneca não era feia, era horrorosa. Tinha nariz grande com verruga na ponta, pele enrugada e unha gigante estilo Zé do Caixão. E meu pai, sacana pra caramba, volta e meia, do nada, no meio da calmaria alheia, ligava a bruxinha e assustava um bando de gente, inclusive meu irmãozinho. E ria, ria, ria muito. Nesse período, nós morávamos em Brasília e uma vez meus avós maternos foram nos visitar e dormiram na sala. Na primeira noite dos velhos lá, meu pai esperou que eles se acomodassem pra tranquila noite de sono ao som das cigarras brasilienses. Eles apagaram a luz, fez-se o silêncio e adivinha quem meu pai lançou? A Bruxinha! Nem preciso descrever o salto ornamental que os véios deram desenhando a cena que me faz dar gargalhadas até hoje.
Esse mesmo sujeito, no meu aniversário de 9 anos, eu acho, me pregou uma peça. Até parece que eu sairia ilesa das tramóias do seu Sergio Luiz. Eu pedi uma bicicleta. A minha calói ceci vermelha antiga da qual as rodinhas já tinham sido arrancadas me parecia mais um velocipede de bebê. E eu, afinal, já tinha quase 10 anos. Eu queria muito uma bicicleta pré-adolescente pra perambular pelos arredores da quadra 205 sul. chegado o meu esperado 29 de outubro, nada era mais certo do que eu assoprar velinhas, comer bolo de chocolate decorado com confete de chocolate e ganhar minha bicicleta. Acordo eu e vem minha mãe toda sorridente com uma caixinha de presente tipo Mesbla: "Parabéns, minha filha, espero que você goste" - e voltou pra cozinha. Meu sorriso amarelou feio, minha cara de bunda não fez a menor questão de se esconder e minha boca ainda soltou um resmungo: "Não era bem isso que eu queria, né, mas..." - e saí me arrastando de tristeza pro quarto. Um tempo depois toca o interfone, minha mãe aparece na porta do meu quarto, ignora completamente a minha cara emburrada e diz: "Edvaldo está pedindo pra você descer". Edvaldo era o porteiro do bloco E, meu prédio, e tinha o cabelo igual o do Emílio Santiago. Eu adorava o Edvaldo e desci. mesmo que não gostasse, qualquer cosia seria melhor do que aquele infortúnio que me acometia no meu tão esperado dia. Cheguei lá embaixo, vi o Edivaldo e antes que eu dissesse "Oi" ele já falou: "Olha quem tá vindo ali! Virei pra trás e era o canalha do meu pai vindo com a minha Monark rosa choque. Nossa... Era tanta alegria!!! Eu pulei em cima dele de um jeito. Esse sabia não só que presente dar, mas como dar. Sordidamente, ele manipulava a sua expectativa de modo que o presente ganhasse um valor potencializado. Tiro meu chapéu. Agora... Posso confessar uma coisa? Até hoje eu sinto culpa pelo resmungo com a roupa Mesbla. Era bonitinha até. Branca, roxa e rosa. Combinava com a bicicleta. Eu fiquei uma pirralha charmosa nela pedalando por aí.
Meu pai era essa figura. Botafoguense doente, funcionário do Banco do Brasil, usava terno e gravata nos dias de trabalho e uma lacoste azul ou uma camisa vinho com listras horizontais no dia a dia, óculos com armação redonda azul, assistia Fórmula 1 aos domingos comendo amendoim, tocava gaita e guitarra, puro afeto e exacerbação. Fascinado, não à toa, pelo tema “I can’t get no satisfaction” – me traz hoje muita satisfação pela alegria que foi ser sua princesa bailarina por 9 anos. E hoje eu brindo, com uma xícara de café, aos 39 anos que ele viveu e escrevo esse inventário de afetos em homenagem aos 59 anos que ele faria, por todas as lembranças que me inspiram a olhar pro mundo com a poesia e o humor que a vida merece, coisa que ele me deixou como legado. E emano no meu pensamento muita luz branca de amor e paz pra que ele esteja pleno onde estiver.
Meu pai era essa figura. Botafoguense doente, funcionário do Banco do Brasil, usava terno e gravata nos dias de trabalho e uma lacoste azul ou uma camisa vinho com listras horizontais no dia a dia, óculos com armação redonda azul, assistia Fórmula 1 aos domingos comendo amendoim, tocava gaita e guitarra, puro afeto e exacerbação. Fascinado, não à toa, pelo tema “I can’t get no satisfaction” – me traz hoje muita satisfação pela alegria que foi ser sua princesa bailarina por 9 anos. E hoje eu brindo, com uma xícara de café, aos 39 anos que ele viveu e escrevo esse inventário de afetos em homenagem aos 59 anos que ele faria, por todas as lembranças que me inspiram a olhar pro mundo com a poesia e o humor que a vida merece, coisa que ele me deixou como legado. E emano no meu pensamento muita luz branca de amor e paz pra que ele esteja pleno onde estiver.
Da princesa bailarina,
Lelê.
Lelê.
Eu conto outra dessas tramóias"de aniversário que meu pai aprontou comigo no texto "No Sótão"que está neste mesmo blog no link: http://alessandragelio.blogspot.com.br/2012/06/no-sotao.html
Assinar:
Postagens (Atom)