Já levantei, liguei o som - Caetano é sempre a melhor pedida pra animar a manhã. Depois, Baleiro, mesmo que eu não tenha acordado com vontade de beijar o português da padaria - escovei os dentes, tomei um banho, li o terceiro capítulo de um clássico do Veríssimo cujo nome não me lembro agora, vesti uma roupa descolada dessas "in", na moda, cachecol colorido - está frio e me sugeriram cores - passei o perfume de fragrância amadeirada que meu ex me deu no dia dos namorados, tomei um balde de café e comi ima torrada de cottage com peito de peru. Escovei os dentes de novo e tirei o cachecol. É que tenho de me maquiar pra dar um ânimo à pele da carne que me veste os ossos. Base, corretivo abaixo dos olhos e acima das pálpebras, pó compacto pra tirar o brilho, blush cor terra, rímel. Maquiagem leve, para o dia. Coloco de volta o cachecol. Mais uma burrifada de perfume. Sempre parece que me falta a última. Calcei um all star azul pra me lembrar da Cássia. Queria roubar um cheque mas não está dentro dos meus princípios, e descobri que se quiser viver mais que ela, não devo tomar meus pileques.
Ajoelhei na cabeceira da cama e fiz uma oração de gratidão. Lembrei do meu irmão caçula, do meu pai, da minha tia parceiríssima, do meu avô que me iniciou nas letras e guardou numa pasta todos os meus poemas da sua vida, da minha melhor amiga, Cami, que subitamente fo-se aos 20 com um aneurisma e cá eu... não borrei a maquiagem. Peguei a chave de uma casa que não é minha, conferi a bolsa: necessaire, livro, bolsa de remédios, casaco, guarda-chuva descartável, celular, carteira, ok. Chamei o elevador, entrei, desci. TCHOCK. O porteiro abriu a porta. - "Putz, o carregador do celular" - Nunca saio sem carregador de celular. Também nunca saio de uma vez só. Talvez uma coisa esteja ligada a outra. Talvez... I got it! Carregador na bolsa, desliguei o Cazuza que eu já tinha esquecido ligadasso no meu quarto, encontro com minha mãe no hall, descemos, mami foi em direção a garagem pegar seu carro para o trabalho depois de me dizer tchau. Ando pelo corredor de serviço. TCHOCK. Abro a porta do prédio. TCHOCK. A porta se fecha. Uma vizinha vem vindo com um poodle numa mão e um saco de pão na outra. Ela sorri, eu respondo "Bom dia". Coloco a bolsa no ombro.
Olho pra cima e o céu está azul, duas nuvens bem rarefeitas, sol de inverno. Caminho na calçada até a beira da rua. Enquanto espero, sinto-me perfeita para morrer.
Adorei sua escrita. Flui num rio de metáforas originais e humor inteligente. Virei fã. :)
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