Olá, senhor. Venho aqui depor, relatar meu torpor, me
expor? Não sei bem o que é isso, doutor. Se é resposta ou se aposta no que
mostra o menino poeta sobre a parte que me toca (ou a paixão que me cabe). Não
sei se é depoimento o que invento nesse intento. Um inventário? Inventário de
amor ou mostruário esmiuçado da paixão? Acusaram-me já de ter roubado um
coração. Serei então pré-presidiária? Não
foi bem assim doutor. Pode revistar, abrir meu armário. Abre o armário, doutor!
Cuidado, pode cair um pouco (um monte) de sonhos. Ui! Caiu ciúme, tormento
primário! Desculpe doutor, foi pesadelo mal guardado. E é pesado, eu sei...
Mas olhe bem. Não sou advogado, nem diabo, nem
ladra, eu te juro, doutor! Sou por direito namorada. Não foi coisa roubada, já
te disse, não foi bem assim. Não deponho contra mim. Eu conto sem aumentar
ponto, que isso tudo foi só encontro sim. Começou banal também sim. Oi? Foi.
Foi com um oi, sim. Depois? Ah, doutor... Depois foi palavra depois de palavra,
desenhada feito coração no vapor, palavra após palavra, um pouco pueril parece,
mas não à dois sós que de lirismo vivem, feito prece, e assim enobrecem toda
qualquer coisa que aparece. Palavra após palavra após palavra após palavra após
palavra aposta que de repente acontece... dois sapos sonhando principado,
casório prenunciado, verso pronunciando promessa após palavra após palavra após
foi tudo! Tudo poesia à primeira vista. Olhe bem pra este cenário. Amor a
vista, doutor. Ou paixão, seja lá como for. Eu quero chamar de amor. Amor à
vista. Não tem crediário, nem furto, flerte sim, mas se algum meliante há, é o
inventor desse rumor que roda por aí ao léu me colocando como réu diante do
roubo que se existiu foi mútuo e de comum acordo e nos pôs no céu. Eu aqui, que
me rôo as unhas, me mordo, me encolho e escolho a todo minuto deixá-lo levar
consigo meu coração mesmo que eu fique sem abrigo! Dele eu ardo em saudade
mesmo agora que ele ao meu lado repousa seu pulso no meu à cafuné, café e
vontade. Foi roubo mútuo doutor! Que prenda então os dois e nos coloque na
mesma cela. Não precisa nem janela se assim for. Desse modo eu aceito pena faço
confissão peço perpétua. Perpetuação de amar os sonhos que vejo velejarem pelos
encantos dos olhos calmos e alma (até parece) tranquila do meu menino. Não
paguem fiança, por favor! Tenho fé e confiança na justiça desse amor. Deixe-nos
então ali dia após dia vendo que quadrado o sol também pode ser e que estrela
temos num quadro. Ele me fará ver o quadro mesmo quando eu quiser ver só um
buraco, um abismo, uma cisma, um enfado. Se janela não houver, nem hei de
perceber, ele já terá arrumado um giz e o tal quadro desenhado. Ele vai me
fazer carícia no ego cada vez que me nego a ser simples e sã. Vai me soprar
lembrança: "Venta, coisa linda, que és filha de Iansã!". Vai me me
cantar uma delicadeza, uma delícia, vai me fazer viver um era uma vez sempre
que minha tez anunciar um revés, sempre quando não houver pão nem violão. Se só
restar farelo, vai olhar com esmero e brincar de poema, desenhar uma letra ou
caçar uma canção. Cansar nunca, não. Descansar sim. Se nos derem um pano
qualquer, um trapo, ou todo dia, que seja, um guardanapo, de nó em nó eu faço
um trato de montar uma rede pra ele ficar lá parado olhando nosso quadro. Eu
juro que balanço a rede enquanto ele cantarola uma música atrás da outra sem
parar. Ele jura pra sempre rimar e remar sobre mim. Ah, e naquela rede a gente
mata a sede de pintar a menina Lori pra depois guardanapo virar berço. “Lori
vai ter olhos lindos”- ele diz e eu não esqueço. Ele levanta , Lori dorme,
enquanto eu balanço e ele cantarola. E ela, já maior, deita e rola em poeisa a
três.
Abre de novo o armário, doutor! Eu sei que tá
bagunçado, mas vai ver que ali bem no fundo, junto de tanto sonho embolado,
também tem bercário. Tem sim, doutor. Dali onde eu vejo buraco, veremos vênus.
Eu e meu homem-menino, filho da constelação de aquárius. Dali nossos corações
roubados, réus vitimados, estarão pra sempre guardados, entre um e outro parto,
num pacto de quatro paredes. Doutor! Dê-nos uma caneta apenas, por favor, e
escreveremos nas paredes nossos amor a quatro mãos:
“COMEÇO" - A PEÇA
ELA (cheia de si por fora, boba por
dentro, toda toda se derretendo) - Ele se move lento mais que atento pra não embaralhar
todas a peças de si que montou com
carinho enquanto andarilho, pra não embaralhar todas as peças de si que montou com jeito lúdico enquanto
menino, todas a peças de si que montou com liberdade enquanto desbravador da
terra do nunca, sempre acreditando, mais que nunca, mais que ninguém, que tudo
é mais que pé na terra e que nada é mais que tudo que de real possam inventar
que seja. Por isso, pra ele, numa cerveja ou dez nada há de mal. Que brilho a
mais pode se negar a quem quer apenas dançar com as estrelas sob a luz que o
sol a lua dá? Ele me diz (cheio de sarcasmo) que eu baguncei o quebra-cabeça
porque falo que ele o montou errado. O mais lindo, é que mesmo me achando um
anjo malvado por ter tudo desmontado, ele diz: “Me carrega pro teu lado e me ajuda
a montar de(novo)?” Eu o chamo sabiá, ele me chama ora passarinha, ora
borboleta. Tem hora que a gente se chama anjo, então de quando em quando é um
arranjo. O caso é que tudo tem asa e nesse tanto de acasou roubado, eu só peço
uma condição: pra gente manter os pés no chão. E ele me diz: "tudo bem, mas
deixa a mente voar?". E eu deixo tudo, abro mão e abraço a idéia de fazer o
coração sonhar e tudo nessa cela soar caixa de música.
ELE (sorrindo com os olhos) – Ela é de escorpião
mas anda lendo horóscopo de aquário. Tem visto coelho até na lua nova. Está
complemente apaixonada...”
De: ora passarinha, ora borboleta
Para: sabiá
DOIS CORAÇÕES ROUBADOS NUMA SÓ CELA
De: ora passarinha, ora borboleta
Para: sabiá
DOIS CORAÇÕES ROUBADOS NUMA SÓ CELA
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