Arte, porque a vida por si só não deu conta dela mesma





quarta-feira, 9 de outubro de 2013

MINUTOS ATRÁS – filme de Caio Sóh


“Vou tocar uma música, que é pra quando a morte chegar, pegar a gente sorrindo”  (Alonso - Minutos Atrás - Caio Sóh)
Acabo de assistir o filme de Caio Sóh exibido hoje no cinema Lagoon pelo Festival do Rio. Que poesia!
Sim. É um filme de um poeta. Um filme de uma paixão. Um filme de um sonho. Um filme de um oceano que olha pra imensidão da vida e deserta e despe a alma de quem a espreita. O filme espeta também quem suspeita que tudo o que reside nos recantos de Beckett já foi feito e acha que hoje qualquer coisa posta nessa direção perdeu sentido. Nada disso. Caio prova que não. Muito? Vou explicar então. 
Minutos atrás eu assisti um filme que expõe a trajetória de Alonso e Nildo, dois personagens maltrapilhos que, guiados pelo cavalo Ruminante numa carroça feita de sucata, estão em busca de algo que talvez seja um lago, um irmão rico, ou talvez seja só esperança. 

Um é inteligente, perspicaz, malandro no verbo e no gesto, enquanto o outro, coitado, nenhum pouco, nenhum tanto, mais que simples, mais que bobo, quase um santo! E assim vão eles , entre ladainhas e balelas, percorrendo conversa fiada à dentro da estrada, percorrendo dedos e mais dedos de prosa enfeitada pela poesia das coisas feitas da vida, coisa doída, coisa divertida, coisa sonhada, passada e perdida, coisa mentira, verdade inventada... Graça fingida na cara da amizade tingida entre Alonso e Nildo. Que aliás... Estão hilários e emocionantes na pele de Vladmir Brichta e Otávio Muller respectivamente. E Mosca, travestido de Ruminante, também canta e encanta e guia a romaria da fé no horizonte, cuja dupla ora se entrosa ora se enrola quando bate a sede e a fome se dá. E o lugar... que nunca chega... com esperança atrapalhada há de chegar. 

Das palavras sagazes de Alonso e da ingênua ignorância de Nildo, saem diálogos poéticos e corriqueiros, profundos e dinâmicos, sensíveis e cotidianos. E o conteúdo, todo tão contemporâneo, sem ter de ser nenhum pingo urbano. Pelo contrário: particularidades da vida atual são postas em cena num cenário lúdico e atemporal, de um modo tão maduro e preciso que as vezes até nos ironiza , mas com delicadeza, o que é de admirar. 
Tenho a impressão também de que é como se Caio tivesse se permitido levar recursos muito próprios da teatralidade pro cinema e, com ou sem medo de errar, acertou em cheio, refinado e bonito. Um belo exemplo disso é o modo como Ruminante transita entre animal e gente, corporificando o homem e personificando o animal. A imagem figurativa toda engendrada tocando o espectador com som e instrumento do corpo do ator, o bicho humano que somos e as vezes nem se sente.
MINUTOS ATRÁS é um filme de poesia do início ao fim, do roteiro a fotografia, figurino a música, arte, tudo se afina numa lúdica e (aparentemente) simples esfera. A direção, dispensa comentários. É que eu não me contenho e tenho que acrescentar ao que já disse sobre o modo como o cavalo Ruminante é apresentado - apenas uma breve colocação sobre a belíssima escolha da coloração: aquele PB, envolvendo todo o cenário, dá um toque pontualmente especial a atmosfera da esperança de quem está desértico indo rumo ao nada, que podendo encontrar tudo e e inclusive nada encontrar. 
Chegando o the end, você entende, que apesar das aparências, aquela coisa toda Beckett transcendida está. Tá bem ali, na coisa oculta de Alonso, moço da graça sem culpa de ser feliz, andarilho no breu, sem culpa de ser tudo e até Deus . Tá bem ali, na coisa oculta de Alonso, moço que faz juz à vida que disputa com puta trapaça e cara de pau talhada na raça. Tá bem ali, na coisa danada de Alonso, a coragem de meter o pé na roubada de seguir a ermo - sem medo do vazio e de nada que a sorte não venha a soprar.
Pra terminar piegas, uma palavra prêmio do meu coração lacrimal que verteu pelo olhos um fio d’água pro PB da cena final. A síntese não é minha especialidade, mas em uma palavra (duas? tá, uma.): Divino. Vejam. Deleitem-se. 

PS: Palavra prêmio? Acho que foram três. Divino + Vejam + Deleitem-se = 3 ( ou 4? O pronome conta? Fuck off). Roubei no jogo. Mas tudo bem, Alonso diz que todo mundo finge. Eu fingi. Roubar no jogo vale como fingir? Pro Alonso vale. Ah.... Se vale!


Elenco: VLADMIR BRICHTA, OTAVIO MULLER E PAULINHO MOKSA


Direção: 
CAIO SÓH

Roteiro: CAIO SÓH


Produção: LUANA LOBO


Fotografia: RODRIGO ALAYETE


Montagem: BRUNO REGIS


Música: PAULINHO MOSKA e ANDRÉ ABUJAMRA


Empresa Produtora: MARIA FARINHA FILMES


Empresa Distribuidora: 
H2O Films

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